A jornada da heroína se faz presente na história da especialista em cicatrização de feridas, associada Donas do Negócio em Barreiras, na Bahia
Mulheres se sentem inspiradas ao assistir filmes, séries e narrativas em torno de uma protagonista, a qual é forçada a sair de sua zona de conforto, superar dificuldades para, assim, conseguir prevalecer, com plenitude e mais sábia, ao final de sua história. Porém, basta olhar ao redor para constatar que as nossas heroínas estão espalhadas em todos os setores da economia ativa, ocupando espaços antes impensáveis na sociedade. Neste Dia Internacional da Mulher, o programa Donas do Negócio destaca a trajetória vitoriosa de Maristela Evangelista Pereira Prado, 42 anos, mãe de duas crianças e uma referência em cicatrização de feridas na região de Barreiras, cidade localizada no estado da Bahia.
A empreendedora teve de percorrer um longo caminho até obter o devido reconhecimento que possui hoje. Aos 17 anos, decidiu iniciar o curso de técnico de enfermagem. “Em 1999, no mesmo ano que ingressei no curso técnico, já consegui o meu primeiro estágio na área”, relembra Maristela. Mas antes disso, foi ao observar a trajetória da mãe, parteira da região, e a atitude empreendedora do pai, que possuía um pequeno comércio, que fez com que se tornasse uma empresária bem-sucedida no segmento da enfermagem.
Herança nos cuidados com a saúde
Maristela nasceu em Santa Maria da Vitória (BA) e com apenas um ano se mudou para Mineiros, cidade localizada no estado de Goiás. “Meu pai tinha um familiar em Mineiros que o chamou para empreender na cidade. Ele abriu um comércio e minha mãe trabalhava como parteira. Sou filha adotiva desde os 15 dias de nascida e nunca me senti preterida por isso. Aos 7 anos, viemos para Barreiras, pois meu pai soube que na Região Oeste da Bahia era favorável para trabalhar com caminhões na colheita da soja. Foi assim que cheguei aqui na cidade!”, explicou a empreendedora.
A especialista se recorda que não houve um dia sequer em que não soube que era filha adotiva, já que a família tratava o fato de maneira muito leve e natural. Na escola, ela enfrentou os primeiros desafios ao receber questionamentos por ser negra e ter irmãos brancos. “Um dia na escola, uma coleguinha falou que eu não era filha da minha mãe. Fui para casa chorando e questionei a minha mãe, perguntando como eu não era filha dela! Minha mãe me explicou que eu era a filha do coração, já que a minha mãe biológica não pôde me criar. Meus pais não estão mais vivos, porém eu sempre me senti muito amada e acolhida por eles”, disse com convicção.
Quanto ao pai, Maristela traz à mente que ele enfrentava as perguntas indiscretas das pessoas com bom humor. “Meu pai jamais falava que eu era sua filha adotiva. Ele sempre dizia que havia me feito à noite”, contou entre risos, enfatizando que nunca sentiu o peso da adoção sobre seus ombros, tampouco a diferença de tratamento no seio de sua família.
Primeiros passos na profissão
Após terminar o magistério, a empreendedora decidiu iniciar, aos 17 anos, o curso de técnica de enfermagem por orientação de pessoas próximas, que diziam ser uma carreira promissora. “Me disseram que eu teria facilidade em arrumar emprego depois. Ainda durante o curso, fiz estágio remunerado e logo em seguida fui contratada pelo banco de sangue durante dois anos. Quando surgiram dificuldades financeiras e posterior corte de gastos na instituição, me vi desempregada. Comecei a trabalhar como manicure em sociedade com mais 5 profissionais em um salão, mas nada formalizado.”
De manicure a especialista
Maristela resgatou um fato que a fez mudar de patamar na vida, mais uma vez. Uma cliente observou o seu comportamento e constatou a sua inegável inteligência. “Contei a ela que havia feito o curso técnico em enfermagem, mas que estava desempregada. Ela me convidou para trabalhar em uma campanha política. Encarei o desafio e fiz o meu melhor. Não tive preguiça, trabalhava panfletando para o candidato que, em seguida, foi eleito. Assim, obtive meu cargo em comissão até o final de sua gestão”, rememorou.
Em 2007, Maristela finalmente ingressou na graduação em enfermagem. “Quando estava no sétimo semestre do curso, passei em um concurso público que, de fato, me ajudou a ter estabilidade profissional.” A empreendedora atuou como técnica na cidade de São Desidério (BA) e como enfermeira em Barreiras, contratada por uma cooperativa de saúde. Foi através de um processo seletivo com prova de títulos, que foi contratada para coordenar uma CCIH – Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, ocasião em que já era pós-graduada na área.
Retaliação por exigir o cumprimento de normas de biossegurança
De posse do cargo, Maristela teve de enfrentar os maiores desafios de sua carreira durante a pandemia. Em 2020, o protocolo de biossegurança exigia a troca de máscaras dos profissionais a cada duas horas. Ela explicou que em um plantão de 12 horas, era preciso efetuar 4 trocas de máscaras, porém, a superiora imediata determinou apenas uma troca no período. Coerente e responsável com sua função em meio à maior crise sanitária da história da humanidade, Maristela escreveu um ofício sobre a importância do cumprimento das normas. Ela sofreu retaliação e assédio moral por conta disso.
“A subsecretária de Saúde me chamou para uma reunião e disse que o meu setor não havia evoluído em nada. Percebi que houve uma implicância de sua parte depois que exigi o cumprimento da normativa. Ela me humilhou e me chamou de incompetente. Em retaliação, quis me realocar para o Programa de Saúde da Família. Naquela noite eu chorei muito. A partir daquele dia, não quis mais permanecer em nenhum órgão do município”, recordou.
Essa foi uma virada de chave em sua vida. Maristela participou de um evento do Conselho Regional de Enfermagem (Coren) do estado sobre empreendedorismo e ali, naquele momento, acendeu a centelha de ter o seu próprio negócio. Mas antes, no período enquanto ainda era coordenadora, a especialista havia investido em capacitação online. “Quando estava finalizando o expediente, aguardando chegar o horário de ir embora, eu fazia os cursos, como o de furinhos na orelha.”
Encontrando a mentora
Depois do lamentável episódio de assédio moral, Maristela assistiu, em sua casa, a um curso de estratégias no empreendedorismo, pelo Coren, ocorrido em Salvador. Ela viu na palestrante, Gabriela Souza, sua futura mentora, para ajudar-lhe a empreender de maneira eficaz. “Eu me identifiquei muito com a história da Gabriela, pois ela também foi moralmente assediada dentro de um hospital”. Ali Maristela determinou que, no próximo ano, assistiria ao congresso de maneira presencial. Posteriormente, fez um curso de empreendedorismo com a mentora que escolhera.
Os primeiros passos em direção ao empreendedorismo foram dados. “A proprietária de uma clínica de terapias integrativas me convidou para ser sua parceira, inicialmente acordando um repasse de 50% do valor que ganhava com os meus atendimentos. Reconhecendo meu potencial, investiu em minha formação por meio de cursos especializados. No entanto, devido a questões administrativas e logísticas, optei por deixar a clínica, passando a atender em outra, dessa vez com o custo de 30%. Em fevereiro de 2023, decidi abrir meu próprio consultório”, relatou.
Após o curso com a mentora Gabriela Souza, Maristela foi orientada a focar em um nicho específico, já que possuía muitas habilidades na ampla gama de atribuições que existem no segmento da enfermagem. “Comecei a me especializar no tratamento de feridas enquanto cursava a pós-graduação em enfermagem dermatológica, com ênfase nessa área, pela Sociedade Brasileira de Enfermagem e Estética. Após um ano de experiência em meu próprio consultório, posso dizer que estou ótima hoje, graças a Deus.”
Empreender como objetivo de vida
“Foi a melhor coisa que me aconteceu, pois agora tenho autonomia para admitir o paciente, prescrever e executar o tratamento de forma independente”, constata Maristela, ao ser questionada sobre a decisão de empreender.
Associada Donas do Negócio em Barreiras, hoje ela conquistou o respeito e admiração, não apenas dos colegas de profissão, mas também das empreendedoras e mulheres que sonham em, um dia, ter o seu próprio negócio. “Abri uma conta na Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia e comecei a participar de eventos, sendo apresentada na ocasião do lançamento do Donas do Negócio, o qual achei super interessante. Estou adorando!”
Tendo enfrentado desafios financeiros, a empreendedora arriscou investir em sua carreira, mesmo que isso significasse recorrer ao salário recebido pelo hospital para custear a sua formação. “Financeiramente, foi uma questão de coragem e determinação. Pegava dinheiro que recebia do hospital para investir em cursos e viagens. Ainda sigo concursada, trabalhando como técnica. Mas hoje, ao empreender, o meu rendimento é cinco vezes maior do que quando era apenas contratada”, reconheceu.
Momentos como empreendedora. Foto: acervo pessoal
Com seu próprio consultório e com uma equipe de home care para tratamento de feridas, Maristela já admitiu quatro enfermeiras para auxiliar na troca de curativos. A especialista em cicatrização de feridas alcançou seu objetivo primordial. “Queria provar que tinha potencial, que era capaz de ser diferente, e hoje diversas colegas me procuram para empreender. Sinto muito orgulho por saber que me tornei referência, especialmente pelos meus resultados em cicatrização.”
Sobre o Dia Internacional da Mulher, Maristela orienta que, por experiência própria, seguir o caminho do empreendedorismo vale a pena. Depois que passou pelo episódio do assédio moral, em que se viu fragilizada e vulnerável, ela recorda que precisava se reinserir no mercado de trabalho, dar a volta por cima e ser como a fênix – renascer das cinzas.
“Neste 8 de março, ressalto a força das mulheres empreendedoras. Mesmo diante do medo, precisamos avançar corajosamente. Busque mentores inspiradores, ocupe lugares à mesa de líderes e troque os ambientes tóxicos por espaços de crescimento pessoal e profissional. Acredite no seu potencial e siga em frente. Seja um testemunho poderoso da determinação feminina!”